sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

TUDO É CARNAVAL





Há um dito popular que diz: tudo no Brasil, especialmente na área política, acaba dando em samba. Esse aforismo procede na criação de marchinhas e sambas cantados na época dos carnavais desde o tempo do Império. Da minha época, lembro “O Cordão dos Puxa-Saco”(1945) de Roberto Martins, e/ou de elogios, como  “Retrato do Velho” (1951),  de Haroldo Lobo, uma apologia à volta de Getulio Vargas ao governo, em 1950 e que se transformou em um jingle da campanha. Hoje certamente os blocos carnavalescos, que em tempos passados dividiam-se entre as chamadas “grandes sociedades” e os “sujos” (blocos de rua, com moradores de bairros que podiam dançar o carnaval sem medo de assaltos) restringem-se ao primeiro grupo, com poucos números para o segundo. É de supor que atendam a assuntos que a mídia explorou recentemente, do “mensalão” à eterna critica aos mandatários e líderes políticos de diversos níveis hoje com a Lei de Ficha Limpa. Há mesmo quem se inspire em fatos trágicos exalando mau gosto. Mas a forma de diluir o drama em fiapos de alegria é própria da herança latina e especificamente dos nossos colonizadores. Uma identidade que tem mostrado o diferencial de nosso povo com os demais, mesmo latinoamericanos.
O carnaval deriva de “carna vale”(adeus à carne) e veio da Grécia em 600 a 550 a.C., passando a ser reconhecido pelo cristianismo em torno de 1590. O carnaval moderno, com evidências às fantasias e bailes específicos, surgiu no século XIX, na Europa. Ainda hoje há desfiles carnavalescos em alguns lugares do “velho mundo” e em cidades da America como Nova Orleans (mais conhecido como Mardi-Gras). Mas o carnaval brasileiro tomou espaço internacional no século passado. Hoje é uma atração turística. E o sentimento de folia espalha-se a partir da índole do povo. Ao que consta, a receita estipulada no riso (“rir é o melhor remédio”) tem muitos adeptos entre nós. E as críticas políticas na época carnavalesca rimam com as que se faz no chamado sábado santo (antes conhecido como “da Aleluia”) quando Judas é malhado, lendo-se, antes, um testamento que satiriza várias personalidades do governo ou pretendente a isso.
Muitos compositores brasileiros inspiraram-se em fatos administrativos, ou de pretensão a esses cargos, abrangendo as figuras mais evidentes nos meios jornalísticos, para construir suas músicas carnavalescas. Há o caso de “Trabalhar, eu não”, samba de 1946, criado por Aníbal Alves (Almeidinha) para um bloco; o citado“Cordão dos Puxa-Saco” (1946), de Roberto Martins e Eratóstenes Frazão, satirizando os eternos áulicos ou bajuladores compondo a comitiva dos políticos que estão “de cima” e quando estes caem do poder, desaparecem. Há ainda ”Pedreiro Valdemar”(1949), de Roberto Martins e Wilson Batista, de 1949, cuja crítica social assistia à diferenciação de classe em que o construtor do edifício, quando este passava a ser habitado, era excluido da entrada principal; ”Daqui não Saio” ( 1950) de Romeu Gentil e Paquito, criticando tanto o entreguismo brasileiro da época como a elite beneficiada pelas regalias de cargos públicos e não queria mais deixar o lugar; ”Maria Candelária” (1952 ) de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, visto como sátira aos funcionários “alpinistas” e com QI (Quem Indica) que faziam carreira no serviço público sem trabalhar, chegando ao ápice do cargo; ”Não vou para Brasilia” (1957), samba de Billy Blanco, criticando o deslocamento da capital do país do RJ para o Planalto dizendo num refrão: “mesmo que seja para ficar cheio de grana”, censurada pelo diretor da Rádio Nacional, Moacyr Arêas. Há muito mais nessa linha, mas fico só nestas.
O termo “dá em samba” é sinônimo de “dar em pizza”. É o esquecimento oferecido a temas de interesse popular que muitas vezes alcança a midia e/ou deixa de ser abordado por quem de direito. O ato de “esquecer” um assunto que foi divulgado e cobrado por muitos num determinado tempo pode se dar por perder espaço a outros mais cotados ou por interesse de quem pode ganhar com isso. Há casos “crônicos” que exemplificam acomodação social como se vê nas músicas, a exemplo de “Maria Candelaria”, onde se critica a pouca importância dada ao emprego publico, ou a clássica distinção de classe com a humilhação em evidência (como “Pedreiro Valdemar”). Também não é nova a bajulação, ou o “cordão de puxa-saco”.
Mas não é só no samba ou nas marchinhas que se encontra um carnaval que se pode parafrasear como “nada vale”. Também nas fantasias usadas pelos foliões. As máscaras que lembram os presidentes do país é uma constante. Também de políticos punidos ou não por desmazelos, assim como os que se tornaram populares de alguma forma. Quanto mais característico o semblante, mais alvo de caricaturas, mais modelos para os mascarados que saem às ruas ou frequentam as festas de diversas classes sociais.
Julgando-se pelo carnaval o país, ou os países, “vão bem obrigado”. Quando em ditaduras, a verve cômica do povo é cerceada e no Brasil houve um exemplo no hiato 1964-85. O que se ouviu nas festas carnavalescas foram composições do passado, ou loas patrióticas a lembrar do “cordão” de antes. “Pra Frente Brasil” (1970) é um exemplo. Não foi marcha de carnaval mas esteve nos bailes do período. E o filme homônimo que se fez a partir do titulo chegou a ser alvo dos censores por mostrar atos de tortura. Foi liberado com o rótulo de que se tratava de “uma obra de ficção”. Assim é que se mede a satisfação ou a insatisfação popular nos fevereiros, a hora do desabafo, do cantar os reclamos que em prosa escrita não ganharia repercussão.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 08/02/2013)

Nenhum comentário:

Postar um comentário