domingo, 8 de março de 2015

OLHAR, OLHARES NAS LUTAS DAS MULHERES

http://www.usp.br/cje/jorwiki 

Houve tempo em que apenas um olhar traduzia as imposições a um modelo de representação feminino/masculino que nem sempre casava com a realidade concreta tornando-se uma exigência ao comportamento esperado de meninas, jovens, mulheres maduras e idosas e também de meninos, jovens, homens maduros e idosos traduzindo-se na assertiva estabelecida pelo padrão de comportamento humano evidenciado pelo imaginário social. Este olhar, ao longo do tempo, deixou de ser visto no singular para assumir-se no plural – olhares – porque ampliado de indagações femininas na tentativa de descobrir o porquê de algumas diferenças culturais serem preconceituosas contra as mulheres tornando-se problemas sociais.
A avaliação atual sobre as relações sociais entre os gêneros se tornou manifesta das diferenças de expectativas e de comportamentos que antes eram tomados por esse olhar como “naturais”. Houve então olhares mais questionadores e responsivos da cadeia que interpelava socialmente mulheres e homens. O acesso às informações transformou essas buscas num permanente processo de investigação em favor da desmontagem da naturalização dos papéis sociais. Desmontagem constatada de que atributos de feminino e de masculino eram construções sociais com determinações específicas e hierarquizadas e que se transformavam ao longo do tempo.
Esses modelos inseriam fatores biopsíquicos para garantir a estratégia de poder subjacente a cada ordem determinando papéis, condutas em funções que asseguravam uma divisão de papéis diferenciados entre homens e mulheres, conformando-se em pactos hierarquizados de sobrevivência, com as instituições sociais, políticas e econômicas definindo, entre suas regras, posições estratégicas para uns, enquanto para outros sobravam as determinantes de sujeição.
Reproduziu-se o confinamento das mulheres reforçando condições especificas para a esfera do privado. Nesse espaço, elas se reduziram a instrumento de reprodução da sociedade (por via biológica e ideológica), sendo o trabalho caseiro que desenvolviam por permanecerem agregadas à sua cria, na ordem da hierarquia social e econômica, considerado a menos importante das atividades.
Os modelos que se constroem, então, tanto do homem quanto da mulher corresponderiam às funções esperadas desses sujeitos aos quais foram atribuídos papéis específicos. Há ambivalência no pacto de dominação, na medida em que um e outro incorporam, em suas práticas, o discurso enunciado expresso nos valores contrários: força-fragilidade.
Passível de esta natureza padrão ser perdida a todo o momento, a cultura se mantém vigilante para que tal não ocorra, com a essência devendo ser constantemente aprendida, vigiada, controlada. “Perder a “feminilidade” ou a “masculinidade” é uma ameaça constante e as regras para que tal não ocorra devem ser acatadas desde a infância, nos tipos de brincadeiras, nos ‘modos’, no ‘próprio’ de meninos e meninas”. (Pitanguy, 1982: 63)
Com o uso analítico da categoria gênero e a situação tida como uma construção social — e, consequentemente, histórica – a idéia de pluralidade implicou admitir não apenas que sociedades diferentes teriam diferentes concepções de homem e de mulher, como também que no interior de uma sociedade essas concepções seriam diversificadas, conforme a classe, a religião, a raça, a idade, etc. Admitiu-se então que os conceitos de masculino e feminino tendem a se transformar ao longo do tempo.
Veja-se o trabalho – a inscrição do trabalho doméstico como “próprio da mulher”, ainda hoje contribui para a vivência feminina na “dupla jornada.” Mas há mudanças substanciais. Se o imaginário social dizia que elas “não faziam nada” e elas próprias reproduziam esses discursos, na realidade, as funções assumidas por elas na casa, na família, na reprodução da economia doméstica familiar descredenciavam o padrão estabelecido.
No Brasil, o mundo do trabalho supunha as mulheres concentradas em atividades dentro do lar e, por isso, essas funções caseiras deixavam de ser vistas como “trabalho” e sim como “obrigação”. Desde o período colonial, nos setores da produção agrícola, vê-se a presença delas acompanhando os homens de sua família, nos trabalhos dos roçados, na coleta de produtos e em outras atividades conforme sua condição social.
A industrialização lança outro espaço de trabalho à mulher na fábrica. A operária será vista nas lutas sindicais propondo leis protetoras ao trabalho feminino, buscando programas que consolidem as leis trabalhistas, incorporando bandeiras de proteção que amparem a ela e à sua família, com a finalidade de diminuir as tensões sociais.
Embora seja evidente o crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, contudo, o mesmo não é acompanhado da igualdade de salários que recebem os homens, na maioria das profissões. A máxima “trabalho igual salário igual” ecoa nos primórdios de um mercado que incluiu as mulheres num sistema que sobrevivia do barateamento da mão de obra. Hoje, com a reestruturação produtiva, a maior qualificação e os desafios do mercado numa época globalizada, pelo que se vê, ainda prescrevem a situação atual das trabalhadoras em todas as áreas de atividades.
Detendo o olhar sobre essa complexidade de tarefas, observa-se que isso tem se responsabilizado por problemas à saúde da mulher. O campo da saúde envolve muitas outras dimensões vivenciadas pelas mulheres e amplia os programas de políticas públicas que estas têm demandado para a melhoria de sua qualidade de vida. É o caso da violência doméstica se constituir em um problema de saúde pública. Esta violência consiste no uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não é da sua vontade, tolhendo a liberdade, incomodando e impedindo a vítima de manifestar seu desejo, sob pena de ser gravemente ameaçada ou até mesmo espancada, lesionada ou morta (CFSS).
Os estudos sobre a violência doméstica contra a mulher têm centrado explicações sobre a cultura da hierarquia de poder que domina a sociedade sendo legitimada pela ideologia que criou papéis sociais com base nas diferenciações de sexo. Assim, volta-se para os modelos apresentados no inicio do texto e configuram aprendizagem diferenciada da emoção entre meninos e meninas, levando a atos violentos. Esses modelos interferem nas sessões de violência e esta leva à perda da saúde e até à morte de mulheres.
Neste texto reverencio através deste jornal, o Dia Internacional da Mulher, neste 8 de março.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 06/03/2015)

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